Laila Sala, Coordenadora de Ação Educacional do CEU Heliópolis Prof. Arlete Persoli, escreve sobre a luta da comunidade de Heliópolis, zona sul da cidade de São Paulo, Brasil, para transformá-lo em um bairro educador.
As ocupações que começaram a formar a comunidade de Heliópolis ocorreram por volta dos anos 1960, com a construção do Hospital Heliópolis. Um pouco depois, nos anos 1970, esse processo se intensificou através de uma ação promovida pelo próprio poder público que, naquele momento, desapropriava áreas do entorno. Daí, a ocupação que seria provisória foi se tornando cada vez mais permanente… Nesse processo, os moradores e moradoras começaram a enfrentar diversas dificuldades: o mesmo poder público que tinha colocado as famílias aqui, agora ameaçava removê-las com ação policial. Também tinha os grileiros que vendiam e alugavam lotes de terra como se fossem os donos. Além disso, faltava infraestrutura urbana; as ruas eram de terra e não havia esgoto, água encanada, energia elétrica…
O que fazer então?!
Inquietos com todos esse problemas, os moradores e moradoras, liderados pela Genésia Miranda e pelo João Miranda, dentre outras pessoas, começaram a se juntar para mudar aquela realidade. A necessidade de se organizar coletivamente veio à tona. Surgiram as primeiras associações de moradores, organizadas em núcleos: Heliópolis, Mina, Imperador… Todo mundo lutando junto pelo acesso à moradia digna. Naquela época, sempre que um núcleo estava ameaçado, os moradores e moradoras dos outros núcleos se deslocavam até lá em solidariedade, para ajudar a protegê-lo. As mulheres se destacaram, mostrando sua capacidade de organização, diálogo e resistência.
Já nos anos 1980, os núcleos resolveram unificar a luta e se juntaram em uma única associação para ganhar força no diálogo com o poder público. Surgiu a UNAS: União de Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e região.
Nas décadas de 1980 e 1990, Heliópolis viveu um dos períodos mais tristes de sua história, pois a comunidade passou a ser considerada uma das mais violentas de São Paulo. O crescimento da violência deixou muitas vítimas. E junto com isso, havia a ideia de que todos que moravam na comunidade eram bandidos. A juventude era o alvo principal da violência, porque os meninos e meninas tinham pouco acesso à educação pública, ao emprego qualificado, ao lazer. Era um estigma ser morador(a) de Heliópolis.
Na década de 1990, um novo diretor chega à EMEF Pres Campos Salles – Braz Nogueira -, que busca ajuda das lideranças comunitárias para transformar a realidade da escola, que era marcada pela violência. Em 1999, uma estudante da Campos Salles, Leonarda, foi assassinada. O diretor e o professor Orlando Jeronymo, junto com as lideranças da UNAS, decidiram dar uma resposta a essa tragédia. Foi a origem da I Caminhada Pela Paz, reunindo aproximadamente 1000 pessoas, entre estudantes, professoras e professores e comunidade.
As transformações da escola não pararam de acontecer. Um projeto pedagógico inovador foi o caminho que a equipe da escola decidiu trilhar, junto com as lideranças comunitárias e alguns professores e professoras. As paredes das salas de aula foram derrubadas e surgiram grandes salões. Esse projeto é sustentado por 5 princípios:
- Tudo passa pela educação, não só pela escola. Todos os tempos, espaços e experiências educam e são educados pelas pessoas. Por isso, a gente entende que toda sociedade é responsável pela educação de todos e todas e de cada um(a);
- A escola como centro de liderança, quer dizer, a escola deve se juntar à comunidade já organizada e contribuir para o desenvolvimento local e para a garantia de direitos fundamentais;
- Autonomia;
- Responsabilidade;
- Solidariedade.
Esses princípios se tornaram muito importantes para a comunidade. Por isso, em uma assembleia de moradores e moradoras organizada pela UNAS, foi decidido que eles não deviam ser princípios só da escola, mas sim de um movimento que busca transformar Heliópolis. E a “favela mais violenta de São Paulo” passou a ser reconhecida como Bairro Educador.
Uma das maiores conquistas de toda essa luta foi a construção do CEU (Centro Educacional Unificado), Heliópolis Profª Arlete Persoli – um complexo equipamento com quase 50 mil metros quadrados, que nasceu desta história de luta, que reuniu a comunidade organizada e a escola, com base naqueles cinco princípios. Até a equipe gestora foi toda indicada pela própria comunidade.
Mas… quais são os avanços necessários para a construção do Bairro Educador?
Quais são os novos desafios?
Se lembrarmos da nossa história e da nossa capacidade de realização, uma coisa é certa: só caminhando juntos conseguiremos avançar ainda mais! Somos todos e todas autores e autoras de nossa própria história, somos todos e todas responsáveis por nossas conquistas.
*O texto da imagem acima se originou de uma colagem de trechos dos Manifestos da 16ª, 17ª e 18ª Caminhada pela Paz, escritos pelos estudantes da EMEF Pres. Campos Salles: Ana Suellen, Andressa de Jesus França, Andressa Sapucaia, Ângela Kelianny, Brenda Rodrigues Felix, Carolina Silva Rodrigues de Sousa, Gabrielly Machado, Giovanna Benício Grisólia, Juliana Maria, Keila Verdeiro, Lucas M., Marcio Ribeiro, Maria Isabel P. da Silva, Nicoly dos Santos, Talia Ap., Valéria Lima, Verônica Leme, Vitória Leme, Yasmin Nayara; o Prof. Orlando Jeronymo e o membro do projeto Jovens Alconscientes da UNAS,Victor Guilherme. A edição do texto foi realizada por Meire Lima, Coordenadora de Projetos Educacionais do CEU Heliópolis Profª Arlete Persoli.
Laila Sala
Coordenadora de Ação Educacional do CEU Heliópolis Prof. Arlete Persoli em São Paulo, Brasil.