Construindo pontes e possibilidades: Educação e Arte, Rap e Sociedade

Em meio a tensões sociais, um grupo de jovens em Teresópolis, RJ, Brasil, mostra sua voz em forma de poesia: da favela pro mundo, o Rap do ADL (“Além da Loucura”) ganha o Brasil e torna-se uma referência na cidade, incentivando o surgimento de novos grupos e vozes de denúncia contra a realidade em que vivem. É quando começa a história do Centro Cultural Favela Cria.

Teresópolis é uma cidade localizada na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Turístico, conhecido por sua cadeia de montanhas, belezas naturais e clima ameno, o município esconde profundas desigualdades que não estão à vista dos visitantes nem dos moradores mais abastados. Com cerca de 25% de sua população vivendo em favelas, a cidade ostenta ainda outros tristes destaques, como a liderança na região em casos de violência doméstica e um expressivo número de violência sexual e estupros. O temporal de 2011 resultou na maior tragédia natural da história do Brasil, com números ainda indefinidos de mortos e sequelas gravíssimas sentidas até hoje.

É nesse cenário que uma juventude que sofre com a falta de acesso a aparelhos e políticas educativas, culturais e sociais, tendo o subemprego como única possibilidade real de trabalho, vê no tráfico de drogas uma alternativa à falta de perspectivas. Um contexto que contribui para o aumento da violência, com assassinatos e prisões, sem um debate público consciente e reflexivo para lidar com a situação. A cara do Brasil atual: meios de comunicação e figuras públicas colocando a sociedade contra seus jovens – sobretudo negros e favelados – ignorando as condições sociais e materiais que jogam tantos meninos e meninas num duelo violento e desigual contra um sistema que não os ouve nem os enxerga.

Em uma cidade onde 1/4 da população vive em favelas, quase 80% de seus eleitores votaram em Jair Bolsonaro, símbolo da truculência e da intolerância, defensor da violência de Estado como saída para a violência, do “bandido bom é bandido morto”. Um homem que já sugeriu que a polícia sobrevoasse a favela da Rocinha jogando panfletos avisando que se os traficantes não se entregassem em um prazo de seis horas, metralharia a favela (na ocasião, foi aplaudido por executivos do mercado financeiro).


Quadro que ganhamos do “Urso”, artista local. Ao fundo o “Dedo de Deus”.

No meio dessa tensão social, um grupo de jovens mostra sua voz em forma de poesia: da favela pro mundo, o Rap do ADL (“Além da Loucura”) ganha o Brasil e torna-se uma referência na cidade, incentivando o surgimento de novos grupos e vozes de denúncia contra essa realidade. É aqui que começa a história do Centro Cultural Favela Cria.

Após anos realizando a Roda Cultural do Alto e outras ações sociais pontuais, o grupo lança o selo musical Favela Cria e em seguida, no mesmo ano, junta-se com educadores e educadoras, artistas, produtores culturais e agentes sociais para desenvolver um centro cultural que pudesse fazer um trabalho permanente, dar voz a essa população, construir coletivamente os sentidos e desejos presentes no território, promover desenvolvimento pessoal e social, autoestima, conhecimento de mundo, valorização da cultura local, ampliação de repertório. Mais: que possa dialogar com outras comunidades e coletivos, criar redes de apoio, construir uma cultura democrática, engajando a comunidade nas tomadas de decisão, criar espaços de diálogo e autogestão.

Quase um ano depois, tempo durante o qual desenvolvemos as atividades em lugares públicos e/ou parceiros, pudemos enfim alugar um espaço para ser a nossa sede. Tão logo o espaço foi aberto para a comunidade, já foi ocupado por diferentes aulas e modalidades, e em pouco mais de um mês sobram poucos horários disponíveis para novas atividades tamanha a procura e a oferta, pessoas querendo participar, aprender, ensinar. Educação de Jovens e Adultos, Apoio Escolar, Jiu-Jitsu, Capoeira, Karatê, Ballet, Futebol, Oficina de Desenho, Curso de Corte de Cabelo, Zumba…


Reunião de educadoras e educadores do CCFC.

De crianças tendo oportunidades de realizar diferentes atividades dentro de sua própria comunidade a idosos que pela primeira vez sentaram-se em uma sala de aula, não faltam histórias duras e comoventes que nos colocam em constante aprendizado e reforçam o compromisso de construir outras relações possíveis baseadas no respeito, na solidariedade e na construção de autonomia, pessoal e coletiva. Há um longo caminho para a consolidação do Centro Cultural, em diversos âmbitos. Para um destes, no que diz respeito à estrutura física e material, abrimos recentemente uma campanha de Financiamento Coletivo para reforma do espaço e outras melhorias, descritas na página da campanha.


Equipe e comunidade no dia da abertura do espaço.

Sentimo-nos privilegiados por estarmos num momento de crescimento enquanto tantos projetos já consolidados enfrentam graves dificuldades financeiras e políticas nestes difíceis tempos. A cultura do Rap, os movimentos periféricos e de educação popular e democrática, a construção de laços afetivos e solidários com as comunidades, organizações e coletivos: nestas lutas e com estas forças que baseamos nossa esperança de ver o projeto crescer, amadurecer e realizar da melhor forma possível tudo que se propõe a fazer.

Bruno Martins

Bruno Martins é educador com formação em Pedagogia e História. Foi membro da Reevo (Red de las Educaciones Alternativas) e da Rede Nacional de Educação Democrática. Em 2018 publicou o livro “Crônicas de uma Educação Possível” e em 2014 “Oprimidos da Pedagogia: de Paulo Freire à Educação Democrática”. Trabalhou como tutor na Escola Lumiar São Paulo e atualmente é coordenador e educador do Centro Cultural Favela Cria.

Compartilhar:

Comments are closed.

  • mídia lab