Aqui, em SMA, dá pra gente fazer mais em meio às violências que se aprofundam

Duas em cada três infecções do novo coronavírus foram causadas por pessoas que não foram diagnosticadas ou que não apresentavam os sintomas da COVID-19. Duas em cada três pessoas, portanto, que transmitem a doença, não sabem que estão infectadas. A probabilidade, ainda, trazida por estudos internacionais, é de que haja entre cinco e dez pessoas infectadas sem diagnóstico para cada caso confirmado. Baseadas nestes e em outros estudos, as autoridades de Nova York, por exemplo, solicitaram que todos os cidadãos se comportassem como se já estivessem expostos ao novo coronavírus.

Estas e outras informações dramáticas foram entregues ao Presidente do Brasil no dia 23 de março de 2020 em relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)*.

Devido a estes dados e a outras informações e pesquisas que o Brasil e o mundo estão nos disponibilizado, acompanhamos a Prefeitura de São Miguel Arcanjo no reforço ao isolamento social, a principal maneira de mitigarmos a disseminação da COVID-19, mas não concordamos com as demais medidas tomadas por ela até aqui. Como a fome e a pobreza caminham juntas, a realidade de nossa cidade e a falta de atitudes concretas do Poder Público empurra desmedidamente São Miguel Arcanjo para uma ainda mais profunda e vulnerável realidade social, econômica e sanitária diante da pandemia.

São Miguel Arcanjo possui o dobro da média de extrema pobreza do Estado de São Paulo. Por aqui, em dezembro de 2019, havia 3.527 famílias inseridas no Cadastro Único e, destas, 2.505 famílias possuíam renda com até ½ salário mínimo por pessoa , ou seja, de zero reais a menos de 600,00 reais mensais.

Os dados, porém, são ainda mais preocupantes. Famílias com renda mensal por pessoa de até R$ 89,00 ou com renda mensal por pessoa de R$ 89,01 a R$178,00, desde que possuam crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos em sua composição, chegam a 2.096 famílias. São números absurdos que equivalem a cerca de 20% da população total de nossa cidade em situação de extrema pobreza e de alta vulnerabilidade social. Destas 2.096 famílias que possuem o direito, por exemplo, ao Bolsa Família, apenas 1.321 famílias são atendidas pela Secretaria de Assistência Social de São Miguel Arcanjo. Ou seja, apenas 63% das famílias que mais precisam são atendidas pelo nosso município.* Nesse momento de pandemia, esses números já têm aumentado e aumentarão ainda mais. A resposta política até aqui à crise causada pela COVID-19 não está à altura do que exige a nossa realidade.

Em 8ª Sessão Ordinária e 13ª e 14ª Extraordinária no dia 23 de março de 2020 na Câmara de Vereadores de São Miguel Arcanjo, no mesmo dia em que foi decretada pelo Prefeito a medida de quarentena no município, os vereadores aprovaram sem nenhum debate sobre os porquês dos recursos, a proposta da Prefeitura de mais de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em distintos gastos. Uma atitude tomada distante dos ouvidos da população, já que a Sessão em horário alternativo não foi transmitida pela Rádio Aliança FM. A indignação nas redes sociais só aconteceu depois que algumas pessoas compartilharam a gravação da Sessão do Youtube* em suas páginas no facebook ou pelas redes do Whatsapp.

Dentre os gastos, segundo levantamento do Professor Robson Pill, R$ 624.223,00 foram destinados para obras, entre elas, a revitalização de praças e a construção de portais nas entradas da cidade. Sobre a quarentena, sobre a fome que se aprofunda nesse momento, sobre a impossibilidade das pessoas de trabalhar, sobre informações e atitudes a serem tomadas para minimizar os danos, houve um silenciamento que só faz aumentar as violências da crise que estamos vivendo.

Até hoje de manhã, 30 de março de 2020, nenhuma equipe de nenhuma Secretaria do Poder Público local esteve nas periferias e favelas em que as famílias que constroem o Observatório Popular Cidade do Anjo vivem. Não houve, portanto, entrega nos territórios de cestas básicas. Não há Merenda Escolar sendo distribuída. Não houve, até o momento, produtos de higiene sendo distribuídos. Não há equipes preparadas dando informações precisas sobre cuidados necessários e ouvindo da população destes territórios as prioridades para as atitudes que devem ser tomadas. Se mesmo nas periferias do centro da cidade não há qualquer tipo de ação, o que esperar dos cerca de 25 bairros rurais e afastados de São Miguel Arcanjo. A miséria, nos bairros rurais, é maior do que na área urbana da cidade. *As equipes de saúde foram apenas às casas com idosos para a vacinação.

Aqui, em nossos territórios, em nossas favelas e periferias, precisamos de medidas condizentes com as nossas realidades, com as nossas dificuldades, com os problemas que já cotidianamente são enfrentados. A gente compreende como de fundamental importância a formação de um Comitê Intersetorial que analise e estude com responsabilidade o nosso contexto e busque soluções práticas em todos os âmbitos da vida e da sociedade que podem e que já estão sendo afetados pelo momento em que estamos. O Comitê criado, em nossa opinião, não pressupõe esses fundamentos.

É uma realidade, infelizmente, grave, difícil e única, até aqui, em nossa história. E diante dela, serão medidas únicas, nunca antes tomadas, as capazes de oferecer à população alguma redução aos danos que já estão sendo causados e aprofundados. Da mesma forma, só será possível a criação de medidas únicas se utilizarmos métodos distintos aos tomados até aqui para a tomada de decisões dos servidores do povo. É preciso o envolvimento da Sociedade Civil organizada e das comunidades organizadas, mesmo que de maneira virtual nesse momento, nas tomadas de decisão sobre as ações do chamado COMITE DE GESTÃO CORONA VIRUS de São Miguel Arcanjo, que é para que a sociedade possa contar com conhecimentos, saberes e realidades distintas capazes de oferecer uma amplitude maior dos problemas existentes, uma visão mais aberta para as soluções práticas e possíveis, e capacidade de agir, além de trazer transparência e maior legitimidade à ação. O objetivo é fortalecer as comunidades são-miguelenses no enfrentamento à crise causada pela pandemia.

A resposta do Comitê enviada ao Observatório Popular Cidade do Anjo e à ASAS que contém as ações tomadas até o momento, são, em nosso entender, ainda insuficientes diante da realidade social do município e do aprofundamento das violências que a população das periferias já enfrenta.

Deixamos aqui sugestões de ações práticas e emergenciais que a há 10 dias viemos encaminhando às autoridades e incluímos outras. São ações que já carregam pelo menos 10 dias de atraso:

  1. Um estudo sobre o impacto da pandemia do novo coronavírus no orçamento público municipal;
  2. Alocação de Recursos Públicos, em especial, na Assistência Social, para o enfrentamento e para as consequências da pandemia;
  3. Distribuição da Merenda Escolar ou cestas básicas às famílias dos alunos e não alunos que necessitem em seus territórios, inclusive, nos bairros rurais;
  4. A compra de alimentos da pequena produção rural do município para a distribuição nos territórios às famílias que necessitem;
  5. Distribuição de sabão e outros produtos de higiene às famílias que necessitem;
  6. Distribuição de álcool em gel para locais estratégicos;
  7. Assegurar a proteção sanitária de todos os trabalhadores que nesse momento não estão em isolamento social;
  8. Informar, com periodicidade, a capacidade de São Miguel Arcanjo e região em leitos e UTIs para atender as pessoas que necessitem;
  9. O fortalecimento do Comitê de Gestão Corona Vírus englobando membros da Sociedade Civil Organizada, como Organizações Sociais ou ONGs, de preferência, mas não somente, técnicos da área social ou com conhecimentos em Assistência Social, Sociologia, Filosofia, Psicologia;
  10. A participação no Comitê de professores e pessoas envolvidas em coletivos sociais, culturais e comunitários interessados que sejam e que atuem cotidianamente nos territórios em situação de vulnerabilidade social; 
  11. Colocamos o OPOCA, a ASAS e o seu pessoal a disposição do Comitê para debater, pensar, buscar soluções e agir em conjunto com Instituições Públicas e Sociais para superarmos da melhor forma possível o momento em que nos encontramos;
  12. A criação e distribuição de um Protocolo comum que assegure a proteção sanitária para as medidas que dela necessitem, e;
  13. Um Plano de Apoio Financeiro por parte da Prefeitura para as Empresas de São Miguel Arcanjo com o objetivo específico de evitar demissões e o aumento do desemprego.

Como assinam centenas de Instituições de todo o país, os danos serão maiores ou menores dependendo da vontade política e da capacidade de resposta dos governantes e de cada uma e de cada um de nós.

Por Equipe OPOCA.

REFERÊNCIAS

* Para ter acesso ao documento em matéria realizada pelo The Intercept Brasil: https://theintercept.com/2020/03/24/coronavirus-abin-projeta-mortes/

* Para ter acesso aos dados: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/relatorio-completo.html

Segundo o próprio Governo Federal, em São Miguel Arcanjo a cobertura do programa é de 63% em relação à estimativa de famílias pobres no município. Essa estimativa é calculada com base nos dados mais atuais do Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O município está abaixo da meta de atendimento do programa. O foco da gestão municipal deve ser na realização de ações de Busca Ativa para localizar famílias que estão no perfil do programa e ainda não foram cadastradas. A gestão também deve atentar para a manutenção da atualização cadastral dos beneficiários, para evitar que as famílias que ainda precisam do benefício tenham o pagamento interrompido: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/relatorio-completo.html.

Para ter acesso ao que foi feito em Sessão da Câmara: https://www.youtube.com/watch?v=sDKzakPog7w

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