O inadaptado

Marinaldo nunca soube muito bem como lidar com a realidade crua de uma cidade, e para encará-la buscou a cachaça. Convivi no mesmo bairro com Marinaldo, vendo-o transitar pelas ruas tropicando nas próprias pernas e chamando as pessoas de rebelde. E foi assim que ele ficou conhecido: Rebelde.

– Rebelde!

– Oi Rebelde!

Era esse um cumprimento dele com algumas pessoas do bairro.

Hoje voltando de uma caminhada num bairro perto do centro da cidade deparo-me com um homem bêbado. Os carros desviavam-se dele, e ele numa inocência invejável, ia para lá e para cá, como se nem percebesse o trânsito.

Voltou-se para trás subitamente e perguntou a duas jovens, que se esquivaram e o evitaram.

– Onde pego o ônibus para … 

E disse seu destino. 

Reconheci. Era Rebelde. 

Intervim confirmando o nome do bairro. E como percebi que ele não entenderia qualquer orientação, segurei-o pelo braço e fui até a parada de ônibus com ele.

Fomos, entre um tombo e outro, nos reconhecendo no caminho…

Buscando uma maior aproximação comigo, disse-me:

 – Sou Marinaldo.

Ao que respondi: 

– Eu sei Marinaldo. 

Disse-lhe então: 

– Sou Maisa, filha de Juca.

Ele sorriu…  Naquele instante a linha ténue da estranheza diluiu-se. Pertencíamo-nos.

E quando me despedi dele, deixando-o na parada do ônibus, Rebelde, emocionado, chorava, me abraçou, me beijou, deixando um cheiro de cachaça no meu rosto e me desejou proteção divina.

Voltei pensando na inocência e na inadaptação de Rebelde. Senti vontade de ser mãe, irmã, ou mulher de Rebelde, ou qualquer pessoa que estivesse em casa quando ele chegasse. Esperar ele banhar-se, e preparar-lhe alguma comida para que saciasse sua carência. 

Acho que a rebeldia de Rebelde é que ele não entende o sofrimento ao qual foi destinado. A rebeldia de Rebelde é uma denúncia da falta de amor. 

Rebelde é um inadaptado.

Rebelde. Obrigada por me ter abraçado com amor hoje.

Maísa Antunes

Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA – Brasil; Doutora em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, pelo Centro de Estudos Sociais – CES, Universidade de Coimbra – Portugal, defendendo a tese “Diálogos do Riso –  Um campo aberto para repensar a arte e a educação”. Criou em 2018 no DCH III UNEB – Juazeiro – Bahia, onde atua como docente, o projeto de Extensão “Literatura e Vida”. Atuou em projetos de cunho artístico; tendo divulgado boa parte de seus escritos literários em alguns desses blogs e sites.

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