Revista Prosas: uma cidade, muitas identidades

Em junho de 2021 começou a nossa jornada com o Projeto Revista Prosas, um projeto novo, mas que traz os mesmos fundamentos e significados sobre direitos à cidade que a Casa OPOCA carrega desde sempre: identificar, entender, reconhecer e valorizar a cultura local.

Nos primeiros encontros fomos aos quatros cantos do município (e centro), conhecer e reconhecer esse território que habitamos coletivamente e que nos faz ter algo em comum: sermos são-miguelenses.

E o que afinal diferencia ser ou estar habitantes dessa cidade?

Notamos que somos diferentes e diversos, com diferenças que nos atraem e que também nos distanciam. Coabitamos um espaço complexo, com suas peculiaridades a cada quilômetro, injusto em alguns pontos, bonito, nostálgico em outros momentos, muitas vezes despertando sentimentos afetivos; às vezes a raiva e a indignação acabam imperando.

Aí só uma expressão são-miguelense sabe manifestar tão claramente a situação: mas que barr-baridade! Quando falo isso, quero dizer que seria lindo se todes tivéssemos acesso às riquezas que São Miguel oferece.

Maria José, Conselho de Mães OPOCA, Projeto Mulheres em Prosa. Foto de Débora Fernandes.

Tivemos o privilégio de conhecer lugares em que nossos anfitriões apresentavam o seu bairro. Um conhecimento que vem de dentro para fora, como deve ser para fugir de estereótipos toscos e maldosos sobre os lugares e as pessoas que aqui vivem. Aqui mostramos as belezas e conquistas em se viver nas diversidades e com as adversidades que acontecem na vida.

Conversamos muito para nos conhecer e se reconhecer na outra, no outro, entender o que nos oprime, o que nos invisibiliza e o que nos faz ser plural e nos põe em evidência como protagonistas de uma situação-ação.

Casa de Barro: mutirão de bioconstrução do OPOCA. Foto de Débora Fernandes.

Acredito ser esse um dos caminhos para a construção das identidades culturais, algo que não está pronto, mas, sim, em desenvolvimento, se recriando ao longo de nossa existência. Nesse processo foi difícil não se emocionar e não fazer nada a respeito sobre o que ouvimos e sentimos em roda. Juntamos forças e conquistamos algumas coisas.

Nesse caminhar, a escuta é fundamental. Conseguimos e tivemos tempo para isso, para sentar e ouvir, algo que às vezes as instituições e pessoas não têm.

Discutimos sobre os tipos de lazer e a ausência dele, e as promessas que nunca se cumprem de que algo bom vai acontecer. Vimos a esperança no modo de vida das pessoas, vimos as diferenças, a vida sofrida e injusta, a violência em diferentes formas e graus de perversidade, mas também vimos a simplicidade, a resistência, a solidariedade.

Artista Ezequiel, ilustrando a história do Máscara, onça pintada assassinada na Mata Atlântica.

Conhecemos pessoas que fazem trabalhos incríveis, desde parteiras, capoeiristas, músicos, artistas, mamonas, fotógrafas, ambientalistas, pesquisadoras, agricultoras, construtores de casas de barro e as pessoas comuns que também cuidam da terra, dos saberes populares e caipiras que resistem.

Trazemos em lugar de destaque a representação da diversidade cultural em contraponto às monoculturas enfadonhas que insistem em nos dizer que são a única forma de se viver.

Dona Maria, produtora agroecológica, e Júlia, Diretora Cultural do Observatório Popular Cidade do Anjo.

Falar de cultura é falar sobre a complexidade das relações sociais, culturais, econômicas: tudo isso impacta diretamente a nossa forma de expressar e de ser.

Portanto, a cultura não trata apenas das coisas boas, e muito menos se caracteriza como um mosaico harmônico.

A Revista Prosas apresenta a vocês um pedacinho do que é São Miguel Arcanjo para algumas pessoas que habitam esse mesmo território.

Feita por várias mãos e mentes, carrega pontos de vista com os quais talvez vocês não concordem, o que é comum quando se fala de culturas.

Trazemos nesta revista uma amostra do que é ser são-miguelense, e a cultura local como pano de fundo é a nossa casa.

Sejam bem vindes e curtam cada página!

Júlia Marques Galvão

É Diretora Cultural do Opoca e Mestra em Gestão e Programação de Patrimônios Culturais pela Universidade de Coimbra, Portugal. Formada em Turismo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Possui trajetória com experiências em gestão e programação de projetos culturais, ambientais e educacionais durante toda a sua vida profissional. Se dedica a estudos, vivências e ações sobre temas como feminismos, cultura e racismo.

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