Em junho de 2021 começou a nossa jornada com o Projeto Revista Prosas, um projeto novo, mas que traz os mesmos fundamentos e significados sobre direitos à cidade que a Casa OPOCA carrega desde sempre: identificar, entender, reconhecer e valorizar a cultura local.
Nos primeiros encontros fomos aos quatros cantos do município (e centro), conhecer e reconhecer esse território que habitamos coletivamente e que nos faz ter algo em comum: sermos são-miguelenses.
E o que afinal diferencia ser ou estar habitantes dessa cidade?
Notamos que somos diferentes e diversos, com diferenças que nos atraem e que também nos distanciam. Coabitamos um espaço complexo, com suas peculiaridades a cada quilômetro, injusto em alguns pontos, bonito, nostálgico em outros momentos, muitas vezes despertando sentimentos afetivos; às vezes a raiva e a indignação acabam imperando.
Aí só uma expressão são-miguelense sabe manifestar tão claramente a situação: mas que barr-baridade! Quando falo isso, quero dizer que seria lindo se todes tivéssemos acesso às riquezas que São Miguel oferece.
Tivemos o privilégio de conhecer lugares em que nossos anfitriões apresentavam o seu bairro. Um conhecimento que vem de dentro para fora, como deve ser para fugir de estereótipos toscos e maldosos sobre os lugares e as pessoas que aqui vivem. Aqui mostramos as belezas e conquistas em se viver nas diversidades e com as adversidades que acontecem na vida.
Conversamos muito para nos conhecer e se reconhecer na outra, no outro, entender o que nos oprime, o que nos invisibiliza e o que nos faz ser plural e nos põe em evidência como protagonistas de uma situação-ação.
Acredito ser esse um dos caminhos para a construção das identidades culturais, algo que não está pronto, mas, sim, em desenvolvimento, se recriando ao longo de nossa existência. Nesse processo foi difícil não se emocionar e não fazer nada a respeito sobre o que ouvimos e sentimos em roda. Juntamos forças e conquistamos algumas coisas.
Nesse caminhar, a escuta é fundamental. Conseguimos e tivemos tempo para isso, para sentar e ouvir, algo que às vezes as instituições e pessoas não têm.
Discutimos sobre os tipos de lazer e a ausência dele, e as promessas que nunca se cumprem de que algo bom vai acontecer. Vimos a esperança no modo de vida das pessoas, vimos as diferenças, a vida sofrida e injusta, a violência em diferentes formas e graus de perversidade, mas também vimos a simplicidade, a resistência, a solidariedade.
Conhecemos pessoas que fazem trabalhos incríveis, desde parteiras, capoeiristas, músicos, artistas, mamonas, fotógrafas, ambientalistas, pesquisadoras, agricultoras, construtores de casas de barro e as pessoas comuns que também cuidam da terra, dos saberes populares e caipiras que resistem.
Trazemos em lugar de destaque a representação da diversidade cultural em contraponto às monoculturas enfadonhas que insistem em nos dizer que são a única forma de se viver.
Falar de cultura é falar sobre a complexidade das relações sociais, culturais, econômicas: tudo isso impacta diretamente a nossa forma de expressar e de ser.
Portanto, a cultura não trata apenas das coisas boas, e muito menos se caracteriza como um mosaico harmônico.
A Revista Prosas apresenta a vocês um pedacinho do que é São Miguel Arcanjo para algumas pessoas que habitam esse mesmo território.
Feita por várias mãos e mentes, carrega pontos de vista com os quais talvez vocês não concordem, o que é comum quando se fala de culturas.
Trazemos nesta revista uma amostra do que é ser são-miguelense, e a cultura local como pano de fundo é a nossa casa.
Sejam bem vindes e curtam cada página!
Júlia Marques Galvão
É Diretora Cultural do Opoca e Mestra em Gestão e Programação de Patrimônios Culturais pela Universidade de Coimbra, Portugal. Formada em Turismo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Possui trajetória com experiências em gestão e programação de projetos culturais, ambientais e educacionais durante toda a sua vida profissional. Se dedica a estudos, vivências e ações sobre temas como feminismos, cultura e racismo.