Um observatório de luta popular

A gente observa, daqui, desse canto, entre o esgoto passando pelos pés de crianças, como o político se movimenta. Para onde vão os seus interesses, o recurso público que ele se apropria e distribui, os afagos, as falas, os discursos.

Daqui, desse nosso cotidiano, sob os lamentos do estupro da criança, a gente enxerga as prioridades. Dá pra ouvir a festa da uva, observar a quantidade de dinheiro público destinado a ela, o lucro do empresário que a realiza, o grito do jovem espancado e a falta de dinheiro, tanto público quanto privado, destinado à criança, ao seu cuidado, à sua proteção, aos seus direitos, à cultura, ao esporte, ao lazer, à prevenção das tantas violências que a violam.  

Junto à molecada violentamente atraída pelo crime organizado do tráfico de drogas, aquele, como diz o jovem, que faz mais pela comunidade do que todos os outros poderes juntos, a gente observa, com o jovem, as ausências de psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, artistas – com exeção dos locais, sem apoio -, professores, esportistas, cientistas, políticos, padres… Exergamos a polícia, as suas armas, a truculência, o menino de doze anos sendo levado, a violência, o desespero; ouvimos os tiros.

Daqui, desse nosso canto agrícola e sem alimento, da insegurança alimentar e nutricional, da fome da criança, a gente observa o eucalípto de alguns sugando toda a água do solo, que é de todos; a agricultura famililar, a produção de alimento orgânico e diverso, sendo roubada pela monocultura e o seu veneno, a água sendo poluída, a degradação do solo, o câncer no trabalhador, o desmatamento; as mudanças no clima, a falta da água; a concentração de terras e riqueza; a falta de terra e trabalho.

Daqui, desse canto nosso, a gente vê mulheres, que exemplificam o significado da palavra dignidade, sazonalmente, com o corpo já castigado pelos anos de colheita, subindo nos ônibus denominados rurais.

Observamos para onde vão, para quais fazendas, quais meeiros as recrutam, quem são os donos de um trabalho análogo à escravidão. Sentimos a jornada exaustiva, o veneno sem proteção, o calor, a chuva, o frio, a aranha, as formigas, o agachar e o levantar ininterruptos para catar as raízes; as dores no corpo.

A gente calcula as toneladas de batata que elas tiram da terra para pôr nos caminhões, a riqueza que geram; a gente observa as condições degradantes de trabalho; quanta água quente é destinada a elas ao longo do dia; a ausência de banheiros; qual o valor pago pelo dia de trabalho. Quanto lucra o dono do empreendimento. Quanto falta em suas casas, quanto sobra em suas fazendas. Quanto geram de impostos. Quanto volta para suas comunidades.

Assim como ouvimos a assistente social, o empresário, a instituição filantrópica, o político, o padre, negando essa realidade, daqui, a gente vê, também, as crianças e os adolescentes, assim como elas fizeram, iniciando cedo essa jornada destinada ao povo, a São Miguel.

Daqui, a gente vê e sente na pele a vida sendo negada.

Mas é daqui, também, que ela, a vida, reage!

Observatório Popular Cidade do Anjo, pela afirmação da dignidade humana, comunitária e ecológica.

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